"Mas vamos continuar nossas pesquisas e abrir a Gênese, a última obra publicada, revista e corrigida por Allan Kardec; ela deve nos dar o último pensamento do mestre sobre o assunto da alma humana."
Encontramos esta afirmação no relatório "Em busca das origens da alma humana" escrito por Henri Sausse e apresentado no Congresso Espírita Internacional, em 1925 (Figura 1, Figura 2a e Figura 2b) [1, pp. 196-204 na versão em Francês (pp. 203-211 do pdf) e pp. 192-200 na versão em Inglês (pp. 483-491 do pdf)].
Neste relatório, Sausse investiga se a alma humana passa ou não pela do animal, consultando todos os trechos das obras de Kardec que tocam no assunto: a Revista Espírita, O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O que é o Espiritismo, O Espiritismo em sua expressão mais simples, A Gênese e Obras póstumas.
Em A Gênese, ele selecionou como referência e transcreveu os seguintes trechos da 7a edição (idêntica à 5a edição) - conforme ele mesmo informa no artigo - todos do Capítulo XI - Gênese Espiritual: Item 14 (p. 230), Item 15 (p. 231), Item 16 (p. 232), Item 23 (p. 236) e Item 29 (p. 240).
E concluiu:
"Em sua última obra, A Gênese, Allan Kardec apenas confirmou e acentuou a visão da Doutrina sobre o tema da origem dos Espíritos: Questão ainda insolúvel."
Há diferença nos itens citados entre as edições?
Como podemos observar no comparativo entre as edições (no eBook As Edições de A Gênese) [2], os itens 14, 15 e 16 do Capítulo XI são idênticos, o item 23 possui uma alteração pontual e o item 29 foi praticamente reescrito (Figura 3 e Figura 4).
Porque essa afirmação de Henri Sausse é relevante?
Sendo o autor da denúncia de que a 5ª edição de A Gênese teria sido alterada por terceiros, Sausse afirmou, em 1884, que todas as partes do livro haviam sido submetidas a mutilações mais ou menos graves.
Essa denúncia levou a uma réplica de Leymarie (administrador da Sociedade Anônima), Rousset (galvanista que fez as matrizes da edição), Rouge (tipógrafo de todas as edições de A Gênese) e Desliens (secretário de Kardec) e a uma tréplica de Sausse, que fundamentou suas suspeitas em função de um lionês, amigo de Pierre-Gaëtan Leymarie, que confidenciou que este "foi obrigado a fazer correções" em A Gênese. A partir de então, houve um silêncio sobre o assunto.
Assim, ao dizer, em 1925, que a Gênese foi "revista e corrigida por Allan Kardec", Sausse reconhece a legítima autoria do mestre e, portanto, volta atrás em sua denúncia.
Sausse já havia usado a 5ª edição como referência do pensamento de Kardec em outro artigo da Revue Spirite de 1914 (A Doutrina Espírita – Os ensinamentos de Allan Kardec), no qual constam citações ao texto completo do Capítulo XI – Gênese Espiritual e do Capítulo XIV – Os Fluidos, ambos com diversas alterações entre as edições [3].
Sobre o Congresso Espírita
O Congresso Espírita Internacional ocorreu em Paris, em setembro de 1925. O trabalho de Sausse fez parte dos relatórios da segunda comissão, cujo tema era "Doutrina – Teoria". Dentre os participantes do evento, destacamos Gabriel Delanne, presidente do Congresso, e Léon Denis, representante da Federação Espírita Brasileira (na delegação do Brasil) e presidente da segunda comissão.
O relatório, publicado por Éditions Jean Meyer, em 1927, é em si um achado (Figura 5), por descrever o evento (programação, participantes, discursos, palestras,…) e nos dar a oportunidade de conhecer o pensamento dos espíritas daquela época. (Figura 6).
Conclusão
Está claro que Henri Sausse reconheceu que a revisão no texto foi feita por Kardec (como afirmou em seu artigo) e, mesmo não assumindo explicitamente em outras ocasiões, mudou de ideia quanto à acusação de adulteração da 5ª edição de A Gênese por Leymarie.
Gabriel Delanne também já havia reconhecido a autoria da 5ª edição como sendo de Kardec, em um artigo, ao afirmar que anos depois o pensamento do codificador e suas obras continuavam atuais e transcrever um trecho alterado do capítulo XVIII como exemplo desse pensamento e ao validar, em outro artigo, a teoria da fotografia do pensamento, proposta por Kardec na 5ª edição [4].
De fato, sua denúncia não teve maiores repercussões à época, já que outros personagens relevantes continuaram adotando a 5ª edição em seus escritos e o assunto foi deixado de lado, sem qualquer menção posterior no Le Spiritisme nem em outros periódicos.
Constatamos assim que a dúvida sobre a autoria da 5ª edição, levantada no final do século XIX por Sausse, já não existia mais na França no início do século XX. Trazemos os acontecimentos posteriores à denúncia para que o movimento espírita do século XXI possa tomar conhecimento deles e tirar suas próprias conclusões.
Recomendamos, como complemento a leitura, os posts anteriores em que tratamos sobre este tema, contendo os detalhes sobre a denúncia, réplicas e tréplica e o uso da 5ª edição por diversos continuadores do Espiritismo:
Esta pesquisa foi uma realização conjunta pelo museu AKOL - AllanKardec.online, o CSI do Espiritismo e www.ObrasdeKardec.com.br.
Agradecimentos ao portal Autores Espíritas Clássicos - http://www.autoresespiritasclassicos.com pela disponibilização do relatório do Congresso Espírita em pdf.
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